A Sinfonia das Sombras Internas

Na insondável profundidade da noite, o calor agudo e sufocante teima em me acordar, forçando-me a emergir do limbo dos sonhos. Cada despertar é como um solavanco na escuridão que, outrora, despertava os mais profundos abismos de ansiedade em meu ser. No entanto, agora, essa escuridão não mais se constitui em um poço inescrutável de medo, mas sim em um abismo de reflexões. Seria este o sinal de minha apatia, a exaustão de minh’alma, ou um amadurecimento que me permite confrontar o desconhecido com resignação?

O último crepúsculo testemunhou minha completa inatividade. Não me entreguei aos estudos, mal deixei traços de tinta nas páginas em branco, e me esquivei de quaisquer esforços físicos. Em retrospecto, talvez a única realização notável tenha sido a preparação das refeições que comi. Peitos de frango foram lançados à fervura em minha frigideira, acompanhados por uma laranja e temperos de caril, páprica e gengibre, criando uma sinfonia de sabores. O cuscuz marroquino, entremeado de milho, brócolis e cebola caramelizada, complementou a ópera culinária.

Estou em plena convalescença de um resfriado, uma desculpa oportuna para a minha inércia. A arte de vitimizar-se e abraçar o “carpe diem” é tentadora quando se encontra conforto na inação. Mas quando o conforto se torna o adversário, somos nós que enfrentamos a derrota. Por longos períodos, dominei essa batalha, mantendo uma relação de trégua com o conforto. Suportei o frio mais álgido, o calor abrasador, assentos desconfortáveis, filas intermináveis e intermináveis esperas. Encarei trabalhos que esgotaram minha paciência, imposições que retorceram minha flexibilidade e colegas que revelaram sua inutilidade. No entanto, nada persiste eternamente. Um dia, a resistência cedeu, e o conforto tornou-se minha única âncora. Ansiava por seu abraço acolhedor, desejando apenas me aninhar em minha cama, emergindo apenas para satisfazer as necessidades básicas.

Estranhas sombras de tristeza ainda pairam sobre mim, ou talvez eu as exponha como artifício para atrair a atenção, justificando assim minha improdutividade ou fundamentando minha devoção à palavra escrita. No passado, quando renegava o conforto, a felicidade parecia mais acessível. Pequenos prazeres iluminavam meu cotidiano, como um banquete bem-apreciado, meia hora sob o calor do sol, a visão das pessoas transitando pelas ruas ou a contemplação de uma obra de arte magnífica. Talvez eu escreva para buscar almas afins, atraindo-as para minha esfera e buscando harmonia com o mundo exterior, uma sensação tão rara quanto fugidia. Sinto-me cada vez mais isolado da comunidade que me circunda, uma solidão que antes não me inquietava tanto, mas que agora se torna visível. Ou será carência? Minha alma debate-se com a incapacidade de nomear exatamente o que aflige meu ser. Que tipo de pensador sou eu, incapaz de mergulhar nas profundezas de minha própria essência? Talvez seja o medo, o receio de uma transformação que poderia me conduzir a um estado superior, mas que carrega consigo o ônus das responsabilidades, das consequências, da aceitação de si e do mundo.

Abandono esta tela digital por outra, sem um propósito definido ou motivação clara. Uma inquietação por música me assalta, acompanhada pela indagação persistente: “Será realmente necessário?”. Busco a estimulação, ou talvez a superestimulação, como uma fuga das tormentas internas que me assolam. Sou, de fato, abençoado por viver em uma era de abundância de oportunidades, mas também amaldiçoado por minha própria hesitação. Sou tudo, sou nada, sou uma sombra do que poderia ser. A escrita medíocre pode não me conduzir a lugar algum, mas, de alguma forma, satisfaz minha necessidade de dar voz aos meus demônios interiores. As barreiras da consciência tornam-se evidentes quando fracasso em agir para atender a essas necessidades. Há tantas coisas que faço, mas tantas outras que poderia realizar com mais frequência. Sinto-me atraído pelo caminho mais fácil, recuando diante do desafio do que é complexo, do que é sublime. Vivo a vida com leveza ou levianidade, eis a questão que me assombra, em meio às sombras desta noite sem fim.

18 respostas para “A Sinfonia das Sombras Internas”.

  1. Avatar de Mariana
    Mariana

    Bom ler o seu texto, já me senti exatamente assim. No meu caso acredite que se dê por uma certa sensibilidade ao mundo ao meu redor e o quanto ele pode me sobrecarregar . Sejam luzes brancas de mais, conversas hipócritas ou o capitalismo tardio. Não sei, só sei que já senti o que tu descreveu. Que bom que você decidiu escrever sobre e que eu pude ler. Agradeço.

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    1. Avatar de Vinicius Souza Vitalli

      Nossa condição humana é imensa, ao mesmo tempo que é limitada, pois se repete com frequência.
      Muito obrigado pelo teu comentário. São por encontros assim que eu me motivo a não parar.

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  2. Avatar de Ricard Wagner Rizzi
    Ricard Wagner Rizzi

    Belíssima arte.

    Vinícius, esse é um aviso de plágio. Plágio descarado. Plágio assumido. Ainda não sei exatamente como vou encaixar esse belíssimo texto que acompanha essa arte não menos impactante, no assunto do site, mas…

    … se pá, segunda lá pela hora do almoço público no site.😈

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    1. Avatar de Ricard Wagner Rizzi
      Ricard Wagner Rizzi

      Dito e feito. Plágio publicado, mas não tinha como deixar de aproveitar essa pérola, mesmo sabendo que a macularia.

      Somos responsáveis pelo que expressamos, mas não pelo uso que outros fazem de nossas criações. Então, não se sinta responsável pela consequência deste seu texto…

      Penal de Tacumbú, o PCC, e o Clã de Rotela: o Fim de uma Era

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      1. Avatar de Vinicius Souza Vitalli

        A Arte é sobre isso. Coletamos inspirações e as tornamos parte daquilo que tinham o potencial de ser.
        Encantador como você trouxe o contexto do seu nicho, por assim dizer, de encontro com o meu texto.
        O formato que integra a ferramenta das inteligências artificiais para categorizar e visualizar sob outros pontos de vista é sensacional.
        Parabéns pelo texto e pelo método.

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  3. Avatar de Odonir Oliveira
    Odonir Oliveira

    Belo texto.

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    1. Avatar de Vinicius Souza Vitalli

      Muito obrigado pelo comentário!
      Alguma reflexão te saltou à mente?

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      1. Avatar de Odonir Oliveira
        Odonir Oliveira

        Guardo-as para mim, ok.

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      2. Avatar de Vinicius Souza Vitalli

        Okay! hahaha dei muita risada desse comentário.

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      3. Avatar de Odonir Oliveira
        Odonir Oliveira

        Vínicius, quem lê meu blog há alguns anos já entendeu que quando comento em blogs alheios, o faço em relação à forma. O conteúdo de cada escritor pertence a ele, porque sabe de onde veio, porque está sendo escrito etc. Assim, gosto de fazer algum comentário, apenas quando o texto tiver me emocionado pela forma como foi escrito. Um vício de professora talvez. É isso.

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  4. Avatar de Thiago Davin
    Thiago Davin

    “No entanto, nada persiste eternamente”, seja as inconstâncias, temores, ganhos e perdas, ilusões e realizações. Como o título sugere, a vida assemelha-se a uma sinfonia, onde tudo tem um início meio e fim, momentos de frenesi e calmaria, obscurantismo e genialidade. É isso…

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    1. Avatar de Vinicius Souza Vitalli

      “The only way is forward”. Continuaremos até não ter mais música.
      Obrigado pelo comentário!

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  5. Avatar de psicanalistaivanilsonsilva

    Texto impactante, arguto, poético, reflexivo, possuidor de uma beleza inominável!
    Seus demônios são belos, suas vozes engravidam nosso interior de encanto e perplexidade!
    Parabéns

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    1. Avatar de Vinicius Souza Vitalli

      Comentários assim me inspiram a continuar escrevendo. Muitíssimo obrigado!

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  6. Avatar de Augusto Galia

    Ah, que teatro da mente é este, onde cada ato de inação é uma confissão de nossas fraquezas mais secretas! Cada momento de repouso é um grito silencioso na imensidão do vazio, um reflexo da batalha incessante entre o ser e o nada. É nesse abismo de palavras que encontramos, talvez, um vislumbre fugaz do que realmente somos, ou do que tememos ser. Welcome to the jungle my friend 🙂

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    1. Avatar de Vinicius Souza Vitalli

      Perdidos mesmo com bússolas. Bora sobreviver!

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