O telejornal que simplesmente entrega ao seu espectador um fluxo incessante de acontecimentos, não está produzindo jornalismo, mas entretenimento. Ele é consumido como um passa-tempo tanto quanto são os sensacionalistas, mas ao invés de usar a tragédia e o ódio para reafirmar as opiniões de quem assiste, usa a superficialidade e não exige.
Para que o telespectador consuma as notícias de modo menos apático, para o exercício do que se chama de pensamento, é necessário que elas sejam entregues junto a uma opinião fundamentada e que confronte os preconceitos daquele que assiste.
Nos telejornais, quando se pretende solucionar este problema, convida-se um comentarista que contextualizará de maneira mais ou menos profunda cada notícia. Apresentando causas, implicações políticas, econômicas e sociais.
Assim como no telejornal, a leitura necessita de uma ferramenta que lhe sirva como despertador argumentativo. A leitura também se tornará apenas um entretenimento se o seu leitor não aplicar constantemente algum processo crítico mais sofisticado do que simplesmente ler e reclamar mentalmente.
Na leitura, a contextualização factual e a confirmação da lucidez nos argumentos partirão exclusivamente de quem lê. Escrever sobre o assunto lhe imputará a responsabilidade de selecionar as melhores palavras, as melhores sentenças e a melhor ordem de ideias a serem percorridas para se chegar na conclusão que se foi tirada. O resultado deste processo será, além de um texto, o exercício argumentativo.
Portanto, não escreverás para explicar coisas, para preencher lacunas na história do conhecimento e muito menos mudares o mundo. Escreverás pela curiosidade de encontrar por conta própria as melhores formas de se argumentar uma ideia, mesmo que ela não seja nova ou sua. Escreverás pelo processo em si, não pela mera conclusão de um texto. Escreverás pelo desafio criativo e intelectual que a paixão pelo conhecimento vos obriga.
Este processo de escrita se aplicará inclusive à ficção, já que ela também se debruça sobre um tipo argumentativo. Sua argumentação não será necessariamente científica, mas será com toda certeza poética.
A poética em filosofia não tem exclusivamente a ver com os poemas, ela é na verdade uma categoria de pensamento. Se botarmos todas as categorias de pensamento em um plano, num extremo teremos o tipo científico, que lidará com os conhecimentos previsíveis e técnicos, enquanto no outro lado, no seu extremo oposto, teremos o tipo poético.
Por exemplo, quando Millôr Fernandes diz que “entre o riso e a lágrima há apenas o nariz”, ele decidiu que o olho, que chora e produz lágrimas, representaria a tristeza, que a boca, que sorri, representaria a felicidade e para fundamentar uma tese poética de que a tristeza e a felicidade são divididos por uma linha tênue, decidiu que o nariz representaria a distância curta entre um e o outro. O tipo de pensamento que ele utilizou para criar essa metáfora foi o poético.
O pensamento poético é baseado neste poder de escolha dentro de um mar quase infinito de possibilidades. O verdadeiro exercício argumentativo é o processo de criar novos significados e revelar relações lógicas.
O texto não-ficcional também pode conter o pensamento poético em alguma medida, pois todo texto, assim como qualquer argumentação lógica, terá um objetivo comum: o convencimento.
O artigo científico convence de sua importância para a compreensão da realidade enquanto o romance imersivo convence que aquele mundo de tramas ficcionais realmente existe. Em ambos os casos, as metáforas, a criatividade, o pensamento poético, podem facilitar o percurso para um mesmo fim: o convencimento.
Logo, na falta de adjetivo melhor para estes pobres miseráveis, chamaremos de escritores autofágicos aqueles que botarem na frente de seu próprio burro estas quatro cenouras:
1. Ler não é o bastante.
2. Escrever é, sem exceção, lapidar um pensamento estúpido.
3. Há tanta beleza quanto utilidade na ficção.
4. Convença.
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